Levado e julgado - Comentário LES

Marcos 14:36

A. Se o ponto alto do capítulo 13 é a declaração de Jesus sobre Sua segunda vinda, o ponto alto do capítulo 14 é Sua declaração de negação pessoal,  submissão e entrega para que a vontade de Deus fosse feita. O verso 36, sem dúvida alguma, revela o contraste entre a divindade de Jesus e Sua humanidade. Seu desejo de levar a diante Sua obra é missão e, Seu pedido a Deus para que, se possível fosse, pudesse Ele prover outro meio de redimir a humanidade. Ecoando a impactante cena do monte Moriá, onde o filho (Isaque) é poupado e substituído pelo cordeiro Deus, Jesus verifica junto ao Pai a possibilidade de, mais uma vez, prover um substituto. Frente a negativa dívida de passar dele o cálice, negando a Si mesmo (Marcos 8:34), Ele caminha para a cruz.

B. Inesquecível: a unção - Os versos 1 a 11 do capítulo 14, apresenta ao leitor uma narrativa marcada por eventos significativos e contrastantes:

  • Os versos 1 e 2 revelam que os principais sacerdotes e escribas, enquanto deveriam estar preocupados com os preparativos para a celebração da Páscoa, estavam procurando meios de prender e matar o Cordeiro de Deus.
    • Essa ação está diretamente relaciona a atitude de Judas em firmar acordo com líderes judeus para trair Jesus.
  • Em seguida, os versos 3 a 9, mostra Jesus e os discípulos em Betânia (casa dos pobres)  onde Judas,  preocupado com os "pobres", ignora a mensagem por de trás da unção. 
    • O ato de ungir alguém, tanto no AT como NT está relacionado a aspectos distintos e importantes:
      1. Unção ordinária - aplicada a convidados  como cortesia;
      2. Unção oficial - aquela que profetas, sacerdotes e reis recebiam por ocasião da posse ao ofício;
      3. Unção para o sepultamento - mencionado por Jesus (v.8) e que está relacionada ao embalsamamento de corpos no ato do sepultamento e;
      4. Unção para a cura - com sentido medicinal.
        • Dos quatro aspectos da unção, a unção oficial é a mais significativa e que mais se aplica a ocasião. Isso porque, a palavra hebraica para unção oficial é mashach, da qual deriva mashiach, "Ungido ou Messias". 
          • Uma vez que Jesus já havia sido ungido como profeta (Lucas 4:18), podemos inferir que nesta ocasião, de modo simbólico e espiritual, Jesus foi ungido para a morte, mas também, como Sumo Sacerdote e Rei (cf. Hebreus 4:14 a 16 e Apocalipse 4 e 5).

C. A última Ceia - A Ceia da Páscoa, nos dias de Jesus, era uma celebração carregada de grande significado para o povo judeu. Isso porque, os fazia lembrar do período de escravidão e dos atos de Deus na libertação e subsequente constituição da nação Israelita.

  • No entanto, Marcos destaca que Jesus deu novo significado a celebração. 
    • Sem mencionar o Cordeiro e as Ervas amargas, lembranças do Egito, Jesus coloca em evidência o "pão" e o "suco de uva" (fruto da vide), fazendo referência ao Reino de Deus.
      • O pão agora é símbolo do corpo de Cristo e;
      • O suco da uva torna-se símbolo do sangue de Cristo.
        • O sangue da "Nova Aliança" (cf. Êxodo 24:8 e Jeremias 31:31 a 34).
  • A omissão da figura do Cordeiro pascal não é sem razão. 
    • Na Ceia da Páscoa (Êxodo 12), a carne do animal deveria ser comida como parte da refeição. Assim como, agora, o pão é repartido e comido na refeição, representando o corpo de Cristo. 
    • Já o sangue, na primeira Páscoa deveria ser usado como sinal da Aliança de fé do povo com o Deus Libertador. Agora, o sangue (suco de uva) representa o sangue de Cristo derramado na cruz para a salvação de todos aqueles que crê. 

D. Getsêmani - Ao terminar a ceia, Jesus e seus discípulos caminham para um lugar reservado no Montes das Oliveiras, esse lugar, como o próprio nome sugere era um "lagar de aceite". No caminho, o diálogo é marcado pela declaração de Cristo de que Seus discípulos iriam abandoná-lo. 

  • Ao chegarem ao local Jesus, gradualmente, se afasta, ate o momento de ficar sozinho com Deus. 
    • A cena parece descrever o desejo de Cristo ter uma conversa reserva com o Pai e, assim foi.
    • Contudo, o diálogo está permeado de "pavor e angustia" (v.33).
      • "Ele agora provou a morte, em toda a amargura dela. Este era o medo do qual o apóstolo fala, o medo natural da dor e da morte, com o qual a natureza humana se assusta", aponta Matthew Henry (Fonte:https://biblehub.com/commentaries/mark/14-36.htm).

  • Os eventos seguintes são marcados por cinco pontos importantes, a saber:
    1. A oração;
      1. Marcos deixa claro que o desejo de Cristo, com base no teor de sua oração era ser poupado daquele momento. E, Seu pedido esta amparado na certeza de que nada é impossível para Deus. Ao contrário do que ocorreu na transfiguração, não foi ouvida resposta de Deus. Deixando claro Sua decisão.
        1. Ainda assim, Marcos deixa claro que Cristo insistiu no pedido mais uma vezes (v.39).
      2. A referência ao cálice ecoa a conversa de Jesus com os irmãos Tiago e João (Marcos 10:38 a 40).
      3. E, a exortação a prática da oração indica que aquele momento requeria maior e mais intensa comunhão com Deus.
    2. A submissão;
      1. O pedido de Cristo, embora real e sincero, estava amparado em Suas palavras aos discípulos em Marcos 8:34, quando os ensina sobre a negação pessoa.
      2. Embora Seu desejo fosse ser poupado da morte, Sua missão o fazia aceitar a vontade de Deus.
    3. A repreensão;
      1. No caminho Cristo havia questionado a firmeza da decisão de Pedro em permanecer com Ele ate a morte. Agora, o mesmo Pedro é advertido por não conseguir se manter em oração e vigília com Cristo (v.37).
    4. A constatação;
      1. Embora o texto não deixe claro se a declaração do verso 38 se refere a Cristo, aos discípulos ou a ambos, temos a contatação de que no contraste entre o "espírito e a carne", o primeiro estava pronto para a cruz, mas a carne, corpo ou natureza humana não estava forte o suficiente.
      2. Assim, a declaração: "Vigiai e orai, para que não entreis em tentação" (v.38a), liga a declaração de Cristo no Getsêmani à oração do Pai Nosso (Mateus 6:13). Isso porque, a palavra grega peirasmon, traduzida como tentação é a mesma em ambos os textos.
    5. O cumprimento da profecia.
      1. Por fim, aquilo que Cristo, por vezes predisse, ocorreu. Jesus estava para ser entregue aos lideres e sacerdotes a fim de ser preso, julgado, morte e ressuscitar depois de três dias (Marcos 8:31).

E. Deixando tudo para fugir "de" Jesus - Os versos 43 a 52 do capítulo 14, descrevem o momento em que Judas reaparece na narrativa para entregar Jesus. O texto é bastante frio e sem explicações claras do motivo que levou Judas a traição. 

  • No entanto, é importante notar que o momento da prisão de Jesus apresenta duas sequencias de eventos paralelos:
    1. Primeiro, a estratégia humana de prender, julgar e matar Jesus, motivada pelos desejos dos lideres religiosos e por Judas.
    2. Segundo, a imperativa vontade de Deus. 
      1. Marcos 14:21, momento em que todos estão ainda na Ceia, Jesus deixa claro que "o Filho do Homem vai, como esta escrito [...]". Isso deixa claro que, embora as estratégias e instrumentos humanos estivessem em operação sob a direção do inimigo de Deus, o Senhor se manteve no controle de tudo, pois apesar da participação humano, o objetivo principal estava sendo levando adiante pelo próprio Deus (Marcos 14:49).
  • Por fim, a imagem de um jovem que foge deixando para trás a única coisa que trazia consigo, é o retrato da atitude dos doze discípulos. Todos, sem exceção, deixaram "tudo" ao se afastar de Jesus.

F. O interrogatório de Jesus e de Pedro - Os versos 53 a 72 de Marcos 14, relata o interrogatório de Jesus perante o Sinédrio, o conselho dos judeus formado por 71 membros. Ali, segundo a lei de Moisés o réu (acusado) deveria ser submetido a interrogatório perante, no mínimo, duas testemunhas. Dois pontos se destacam:

  1. O interrogatório de Jesus:
    1. Várias testemunhas de acusação se apresentam, mas todas falsas;
    2. Jesus precisa de, pelo menos, duas testemunhas de defesa (cf. Deuteronômio 17:6 e 19:15 a 19);
    3. Embora Marcos não destaque, uma testemunha, ainda que silenciosa, acompanhava o interrogatório, João.
    4. A segunda testemunha, Pedro, temendo, não entrou, permaneceu do lado de fora.
    5. Ao ser interrogado Jesus confessou, não negou e;
    6. Terminou Sua fala confirmando a profecia de Daniel 7:13 e 14. 
  2. O interrogatório de Pedro:
    1. Três testemunhas de acusação se apresentam, e todas verdadeiras (cf. Deuteronômio 17:6 e 19:15 a 19);
    2. Pedro deveria ser a segunda testemunha de defesa dentro da sala de interrogatório, mas permaneceu do lado de fora;
    3. Ao ser interrogado, ao contrário de Jesus, Pedro negou e;
    4. Terminou sua fala confirmando a profecia de Jesus (Marcos 14:30).
  • Por fim, Marcos destaca o contraste/ironia entre o que ocorreu com Jesus e o que ocorreu com Pedro. Isso porque, por ter mentido era Pedro que deveria ter sido cuspido no rosto, esbofeteado e agredido. Ao passo que o inocente sofreu o que o culpado deveria sofrer. 
    • Talvez, por ter presenciado e compreendido essa dura realidade, tenha Pedro, caído em si, e "desatado em choro" (v.72).

Destaque:

A. Se nos capítulos 11 a 13 o cenário/contexto foi o templo, no capítulo 14 o cenário/contexto é a celebração da Páscoa. Contudo,  agora a celebração não somente relembrar o que Deus fez pelo povo no passado, mas sim, o que Ele estava fazendo no presente e, o que fará no futuro (cf. Marcos 14:62).

B. Note como o capítulo 14 com as cenas do banquete em Betânia e a ceia junto aos discípulos, lembram as palavras de Davi no salmo 23. Se colocados em paralelo, os eventos descritos no capítulo 14 se assemelham as palavras do salmo. Isso porque, tanto em Betânia como na Ceia da Páscoa Jesus se assenta a mesma com seus adversários (Salmo 23:5a). Em Betânia Jesus é ungido (Salmo 23:5b). No Getsêmani, Jesus faz referência ao cálice (Salmo 23:5c). Ao mesmo tempo que é neste mesmo local, que angustiado e triste Jesus reconhece que o Senhor é o Seu pastor, que refrigera Sua alma e o guia pelo vale da sobra e da morte sem que Ele tema mal algum, porque Deus está com Ele (Salmo 23: 1 a 4). 

Aplicação:

A. O último verso do capítulo 14 marca um dos momentos mais dramáticos da narrativa da audiência de Jesus junto ao Sinédrio. Isso porque, destaca a atitude de Pedro no momento que reconhece seu erro e sua condição. Do mesmo modo como ocorreu com o filho pródigo em Lucas 15:17, Pedro "caiu em si". Embora abertamente estivesse negando a Jesus, ninguém mais além dele mesmo pode associar suas palavras ao cantar do galo. Contudo, ao associar sua fala com o canto da ave, compreendeu quem Jesus é, em contraste com quem ele era, e o que tinha acabado de fazer. Enquanto Jesus foi interrogado e sustentou a verdade, Pedro foi interrogado e negou a verdade. No entanto, foi também o reconhecimento de quem é Jesus e, a compreensão de sua própria condição que levou Pedro a não seguir o caminho de Judas, mas sim, crer no perdão e restauração oferecida pelo Salvador. Do mesmo modo, nos também,  temos a oportunidade de reconhecer nossa condição e erro e sermos restaurados por Jesus.

Pr. Vítor de Oliveira Ribeiro - Sagrada Família - MMN - USeB 

 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os últimos dias - Comentário LES

Controvérsia em Jerusalém - Comentário LES

O caminho, a verdade e a vida - Comentário LES